sexta-feira, 5 de março de 2010

Chegar a casa



Ela estará lá fora, ela estará na próxima esquina, à chuva, à minha espera. Ou em casa, a fazer chá. Qualquer coisa dela à minha espera, à espera que eu chegue a casa e ligue o interruptor da luz. Ela estará lá, nua, aninhada no sofá, as coxas generosamente entreabertas para me abafar a raiva, a cabeça caída para trás para receber a minha. E lá dentro a humidade quente de chegar a casa, um vórtice a puxar-me ainda mais para dentro dela, as minhas pernas, o meu corpo inteiro numa marcha para dentro dela, numa marcha para chegar a casa, ao cheiro a bolos da pele dela, e um remoinho cada vez a fechar-se mais, cada vez mais rápido, e eu a sair de mim, a deixar o meu corpo para trás num espasmo enquanto entro no dela, a forçar a entrada e ela sem oferecer resistência, a abandonar-se sem resistência e com um sorriso de domínio, enquanto me entorno nela e me acabo nela e me esgoto nela.

Sei que acelero o passo demasiado. Sei que vou quase num grito, quase num voo. Sinto lágrimas a correrem-me pela cara abaixo mas não sei do que são. Penso que vou abrir a porta de casa e ela estará lá, nua, à minha espera porque não lhe dou o direito sequer de pensar que não estará. E se não estiver, sei que que irei num berro ainda maior, num voo de rapina direito à porta dela, com raiva, raiva, raiva de a querer domar e reter, de me querer lançar nela como num poço negro, na boca dela como um poço negro, para dentro dela num voo rasante com as garras de fora.

Ouço uma voz a chamar-me lá atrás mas não sei quem será, e não quero voltar-me porque não interessa, porque se extinguiu num eco surdo, muito longe. Sinto que alguém me empurra na plataforma do metro mas não interessa, que vou contra a maré dos que saem já aqui, que vou arrastado no atrito da maré demasiado humana, mas não importa porque vou cego e tenho pressa. Sinto que o corpo me doi e que os olhos me ardem e que o peito se afunda mas não interessa porque já passou. Sinto que me encolho no banco da carruagem semi-deserta que me leva sem destino para lado nenhum mas o que interessa é que não posso ficar aqui, não posso ficar aqui, não posso fazer-lhe esperar as coxas generosamente abertas e quero chorar finalmente no meio delas, quando chegar a casa e a encontrar vazia.

3 comentários:

  1. Como te disse do "outro lado", um ritmo alucinante... ouve-se a rapidez das palavras, o metro parece andar mais depressa que o normal :) E depois o embate "dele" na palavra vazia. Very nice!

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  2. Não entendo
    É coisa de "ser homem"
    Deve ser isto que é ser homem !
    porque eu só sei o que é ser mulher perante "o homem" assim
    soubesse eu (quisesse) explicá-lo !
    não quero
    quero apenas que ele seja e venha eternamente assim
    you know what I mean ..............

    Wlfye

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  3. " O que não se sente não dói."
    E quantas e quantas vezes desejámos simplesmente não sentir...para não doer...excelente gostei muito!!

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